titulo

Obrigação da operadora de oferecimento de planos individuais aos beneficiários

Demócrito Reinaldo Filho
Juiz de Direito (32a. Vara Cível do Recife)

1- Introdução

Questão delicada e que tem surgido em meio a discussões nas cortes judiciárias diz respeito ao dever (ou não) de renovação contratual por parte operadora de plano ou seguro de assistência à saúde (1), nos casos em que se esgota o prazo inicial de vigência do contrato coletivo, a empresa estipulante se desliga da relação ou simplesmente deixa de pagar a parcela mensal referente à sua “co-participação”. As operadoras sustentam que não existe, na Lei específica que regulamenta os planos de assistência à saúde (Lei 9656/98), obrigação de continuidade de prestação de serviços para com os beneficiários, de forma individualizada, quando ocorre de não haver renovação da apólice coletiva com a empresa contratante. Em geral costumam invocar a validade de cláusula que lhes assegura a rescisão unilateral do contrato coletivo de saúde, mediante simples notificação prévia, ao fundamento de que sendo a contratação coletiva um pacto entre empresas, e conseqüentemente não se aplicando as normas do CDC, não há qualquer abusividade na previsão ao direito de rescisão contratual.

Embora existam pronunciamentos judiciais conferindo às operadoras o direito de rescisão do contrato coletivo de assistência à saúde (2), quando esgotado o prazo inicial de vigência, procuraremos demonstrar neste trabalho justamente o contrário, ou seja, de que não pode haver rescisão por falta de interesse da operadora na manutenção do contrato e que, extinto o vínculo desta com a pessoa jurídica estipulante, continua vinculada aos beneficiários do plano, os quais, como terceiros em favor de quem foram estipuladas as condições contratuais, possuem garantias consubstanciadas na continuidade da prestação do serviço de assistência médico-hospitalar.

Veremos que a operadora não pode simplesmente desistir do contrato, vez que, vencido prazo inicial de vigência estabelecido contratualmente, o plano ou seguro coletivo de assistência à saúde se renova automaticamente, sem limite de prazo. Na hipótese de a empresa que assume a “co-participação” no pagamento do plano tornar-se inadimplente, deixando de pagar a parcela (ou parcelas) do prêmio a que está obrigada, ou quando simplesmente manifesta sua intenção de não mais permanecer como estipulante, a operadora assume a responsabilidade de disponibilizar planos de saúde individuais para os segurados, com o mesmo padrão de atendimento e cobertura, desde que estes complementem o preço, assumindo integralmente os custos com o pagamento da mensalidade.

Esses direitos do beneficiário de planos ou seguros de assistência à saúde da categoria de contratação coletiva decorrem do conjunto de normas predispostas tanto no Código de Defesa do Consumidor quanto na Lei 9.656/98, como a seguir ficará evidenciado.

2- Plano de assistência à saúde de contratação coletiva e sua subsunção às normas do CDC

Como se sabe, para fins de classificação de planos ou seguros de assistência à saúde comercializados por operadoras, estes foram segmentados em: a) de contratação individual ou familiar; b) de contratação coletiva empresarial; e c) de contratação coletiva por adesão (3). A primeira espécie, plano de saúde de contratação individual, carateriza-se como sendo o plano ou seguro de assistência à saúde “oferecido no mercado para a livre adesão de consumidores, pessoas físicas, com ou sem grupo familiar” (4). Ainda dentro da modalidade de plano individual, situa-se o plano familiar, que se caracteriza “quando facultada ao contratante, pessoa física, a inclusão de seus dependentes ou grupo familiar”(5) . A categoria de contratação coletiva empresarial abrange os planos de saúde “que oferecem cobertura da atenção prestada à população delimitada e vinculada a pessoa jurídica” (6). A terceira e última modalidade de plano de saúde, o de contratação coletiva por adesão, é aquele “que embora oferecido por pessoa jurídica para massa delimitada de beneficiários, tem adesão apenas espontânea e opcional de funcionários, associados ou sindicalizados” (7).

Quer se trate de plano/seguro de contratação individual ou de contratação coletiva, o usuário terá sempre em seu favor as normas de proteção do CDC, pois ambos são típicos contratos de consumo. Os direitos do segurado em contrato (plano) coletivo de assistência à saúde são praticamente idênticos àqueles decorrentes da contratação direta individual, resumindo-se no direito que ele tem de exigir o cumprimento das normas e condições pactuadas. Em termos de regulamentação, o plano coletivo de assistência à saúde encontra-se no mesmo plano das demais relações contratuais de consumo, no que diz respeito à aplicação das normas de proteção do consumidor, em especial o CDC. Trata-se de negócio jurídico em que uma das partes assume a obrigação de prestar serviços em favor de pessoa indicada pelo outro contratante (estipulante), mediante remuneração, enquadrando-se perfeitamente nos conceitos legais de consumidor e fornecedor (arts. 2º e 3º do CDC) – que definem a natureza da relação contratual de consumo.O segurado (beneficiário) é consumidor, pois utiliza os serviços na condição de destinatário final (art. 2º), enquanto que a operadora do plano se enquadra na definição de fornecedor, uma vez que presta serviços (art. 3º) de assistência à saúde (do segurado), sendo esses serviços prestados mediante remuneração (par. 2º do art. 3º). Não há dúvida, assim, de que o plano de saúde coletivo reveste todas as características de um típico contrato de consumo e, como tal, deve ser regido pelas normas do CDC.

A forma da contratação, com a intermediação do estipulante, no intuito de criar o vínculo jurídico que liga a operadora aos segurados (consumidores), não descaracteriza a natureza consumerista do ajuste (8). A relação contratual que se forma do acordo de vontades entre o empregador e a operadora do plano com o intuito de criar um vínculo jurídico, tem a finalidade de estabelecer o dever de prestar um benefício (assistência à saúde) a terceiros, inicialmente estranhos ao contrato, mas que posteriormente, quando manifestam sua concordância com o negócio entabulado pelas outras duas partes, passam a ser credores concorrentes de uma delas (a operadora). Assim, a circunstância de os beneficiários do plano coletivo não participarem inicialmente na formação do vínculo, não lhes retira quaisquer direitos que teriam acaso fizessem a contratação diretamente, na forma de planos individuais. Os consumidores não intervêm na formação do vínculo contratual, pois a contratação não é feita por eles, e sim pela empresa empregadora (ou entidade representativa deles), mas os direitos que nascem da contratação, dentre os quais o de auferir prestação continuada de serviços e cobertura de custos de assistência à saúde, revertem em favor deles. O sujeito de direito dessa relação contratual é o empregado (segurado) e, como tal, pode exigir o cumprimento das normas e condições pactuadas no contrato, conforme já proclamado pela jurisprudência do STJ:

“PROCESSO CIVIL. LEGITIMIDADE AD CAUSAM. BENEFICIÁRIO DE PLANO DE SAÚDE. O beneficiário de plano de saúde, seja por contratação direta, seja por meio de estipulação de terceiros, tem legitimidade para exigir a prestação dos serviços contratados; se o ajuste contiver cláusula abusiva, poderá também contrastá-la, como resultado da premissa de que os contratos não podem contrariar a lei, no caso o Código de Defesa do Consumidor. Embargos de declaração rejeitados. (STJ, Embargos de Declaração no Ag. 431464/GO, rel. Min. Ari Pargendler).

Por outro lado, a circunstância de os contratos privados de assistência à saúde gozarem de uma regulamentação específica, na Lei 9.656, de 03 de junho de 1998, bem como através das resoluções da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, não afasta a conclusão de que fazem parte efetivamente da categoria dos contratos de consumo. O Código de Defesa do Consumidor (Lei 9.078/90) permanece como uma lei básica, de caráter geral. É o mesmo fenômeno que acontece em relação a outras subespécies de contratos de consumo, a exemplo dos contratos bancários, de seguro e os que regulam as relações com os concessionários de serviços públicos. Não importa que cada um tenha uma regulamentação específica; o CDC continua como a lei de caráter geral aplicável a todos eles.

3- A indeterminação de prazo dos planos coletivos de saúde, sua origem no princípio da conservação dos contratos e a abusividade da cláusula que autoriza sua rescisão unilateral

Uma vez definido que o CDC tem caráter de norma geral aplicável a todos contratos de consumo, veremos que os planos de saúde estão submetidos a certos princípios que regulam as relações consumeristas, em especial o princípio da conservação dos contratos, que tem aplicação mais especificamente voltada para os contratos de longa duração. Além da contratação coletiva – assim entendida aquela feita por meio de uma empresa estipulante (empregadora ou representativa de classe) – criar vínculos contratuais com os próprios segurados/beneficiários, a continuidade da prestação dos serviços como obrigação da operadora mesmo após o prazo inicial de vigência do contrato (ou retirada do estipulante) emerge em conseqüência desse princípio, que se caracteriza pela perpetuidade do vínculo contratual.

Com efeito, uma vez expirado o prazo inicial de vigência de contrato dessa natureza, as partes contratantes – a empresa empregadora e a operadora do plano – não se liberam “ad nutum” do liame obrigacional, pois a extinção do vínculo contratual depende do consentimento dos segurados (os empregados, pessoas físicas). O vínculo jurídico que prende as partes não se esvanece com o simples atingimento do termo final, do prazo inicial de vigência da relação contratual. Os efeitos jurídicos em contrato dessa natureza expandem-se e perpetuam-se no tempo, havendo uma continuidade, uma renovação automática das condições e normas contratuais. Isso se deve ao princípio da conservação dos contratos de consumo de longo prazo (ou, na terminologia cunhada por Cláudia Lima Marques, “contratos cativos de consumo”).

Realmente, a conseqüência lógica do princípio da conservação dos contratos é a indeterminação de prazo do contrato de plano de saúde. O fenômeno da catividade (9) intrínseca a esses contratos faz com que a operadora de plano de saúde não possa se desligar unilateralmente do vínculo contratual, resultando na impossibilidade da cessação da prestação de serviços ao segurado.

Segundo ensina Antônio Joaquim Fernandes Neto (10), os contratos de planos de saúde são “contratos atípicos, de prestação de serviços. São contratos de adesão, sinalagmáticos, onerosos e formais, e execução diferida e prazo indeterminado” (grifo nosso). Cláudia Lima Marques ainda destaca o aspecto da cooperação para fundamentar a indeterminação de prazo que caracteriza os contratos de assistência à saúde. Ensina ela que os contratos dessa espécie são “contratos de cooperação”, no sentido de que a operadora tem o dever de solidariedade com os consumidores, de cooperação para a manutenção dos vínculos e do sistema suplementar de saúde, de forma a possibilitar a realização das expectativas legítimas do contratante mais fraco. A citada autora explica que, nesse tipo de contrato peculiar, a manutenção do vínculo é o interesse prevalente e abusivas são as cláusulas que permitem rescisão, denúncia ou cancelamento do contrato, “face ao passar do tempo e às anteriores contribuições dos consumidores justamente para assegurar segurança em caso de um futuro evento saúde. Continua explicando que “com o avançar da idade do consumidor, com o repetir de contribuições ao sistema e com o criar de expectativas legítimas de transferência de riscos futuros de saúde, os consumidores só têm a perder saindo de um plano. Assim, por exemplo, passados mais de 15 anos de convivência e cooperação contratual, rescindir o contrato ou terminar a relação contratual seria altamente negativo para os consumidores. Há o dever de boa-fé de cooperar para a manutenção do vínculo e para a realização das expectativas legítimas dos consumidores” (11).

A conseqüência dessa vulnerabilidade especial criada pela catividade e a necessidade de determinar a abusividade de cláusulas de fim de vínculo concorreram para a positivação do princípio da conservação dos contratos. Para evitar que o fornecedor se libere do vínculo contratual, sempre que este não lhe seja mais favorável ou interessante (rescindindo, denunciando, resolvendo o vínculo, cancelando o plano etc.), sobreveio a regra do artigo 22, X (parte final), do Decreto nº 2.181, de 20 de março de 1997, que, complementando a lista de cláusulas abusivas do art. 51 do CDC, prevê a aplicação de multa ao fornecedor que fizer inserir cláusula que lhe permita, nos contratos de longa duração ou trato sucessivo (inclusive nos que envolvem operação securitária), “o cancelamento sem justa causa ou motivação, mesmo que dada ao consumidor a mesma opção”.

Por força dessa norma, passando o contrato de plano ou seguro-saúde a vigorar por prazo indeterminado, é nula (por abusiva) a cláusula que confere o direito de rescisão unilateral e sem direito à indenização à outra parte, através de simples pré-aviso pelo interessado. Tal impedimento ao desligamento do vínculo só cede diante de um justo motivo, devidamente comprovado e que impeça a continuidade das relações obrigacionais em plena comutatividade, como, aliás, está a indicar a própria redação do dispositivo normativo mencionado (art. 22, X, do Dec. 2.181/97).

É importante destacar que essa regra (art. 22, X, do Dec. 2.181/97) aplica-se também aos contratos coletivos de plano de saúde, que, por envolver prestações de trato sucessivo, protraindo-se no tempo, gera a “catividade” ou dependência do segurado empregado. Ao filiar-se a plano dessa natureza, o empregado envolve-se numa relação de confiança com a operadora (e também com a empresa empregadora, no que tange à expectativa de seu cumprimento quanto ao pagamento de sua cota), tornando-se parte “cativa” dessa relação, que não pode sofrer solução de continuidade, sob pena de levá-lo (o segurado) à uma situação de insegurança e instabilidade.

A jurisprudência ainda vai mais longe, identificando na regra do art. 51, inc. IV – regra geral de abusividade – a fonte legal para a invalidação de cláusulas de fim de vínculo. A idéia é de que a cláusula que permite a rescisão unilateral do contrato de assistência à saúde viola regras do Código de Defesa do Consumidor, por conferir vantagem exagerada em favor da operadora do plano, colocando por outro lado o consumidor em posição de desvantagem acentuada, além de se mostrar incompatível com a boa-fé.

Expressivos desse entendimento são os seguintes arestos:

Apelação Cível. Plano de saúde. Rescisão unilateral. Decretação da nulidade de cláusula contratual que determina possibilidade de rescisão unilateral pelo plano de saúde, forte no art. 51, incisos IV e XV, do Código de Defesa do Consumidor, posto que abusiva. Determinada a manutenção do contrato por prazo indeterminado. Apelo provido (Ap. Cív. n. 70006464176, 6a. Câm. Cív., TJRS, rel. Ney Wiedemann Neto, j. 02.03.06).

“Inexistindo mora ou descumprimento da obrigação por parte do contratante, ou qualquer motivo razoável para a rescisão, e havendo quebra insuportável da equivalência ou frustração definitiva da finalidade contratual objetiva, que não pode existir em contratos de assistência médica, de eminente caráter público, não pode ser a rescisão unilateral por parte da contratada permitida, revelando-se abusiva a cláusula que permite” (RJTAMG 74/237).

O próprio STJ já decidia sobre a impossibilidade de rescisão unilateral do contrato de plano de saúde:

“CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. CLÁUSULA ABUSIVA. NULIDADE. RESCISÃO UNILATERAL DOCONTRATO PELA SEGURADORA. LEI 9.656/98. É nula, por expressa previsão legal, e em razão de sua abusividade, a cláusula inserida em contrato de plano de saúde que permite a sua rescisão unilateral pela seguradora, sob simples alegação de inviabilidade de manutenção da avenca. Recurso provido” (STJ, REsp 602397-RS, rel. Min. Castro Filho, 3a. Turma, DJ 01.08.2005, p. 443).

3.1 O princípio da conservação dos contratos na Lei dos Planos de Saúde (Lei 9.656/98)

A Lei 9.656/98, que regulamentou a prestação dos serviços de saúde suplementar, em seu art. 13 explicitou o princípio da conservação dos contratos de planos e seguros privados de assistência à saúde, estabelecendo que “têm renovação automática a partir do vencimento do prazo inicial de vigência, não cabendo a cobrança de taxas ou qualquer outro valor no ato da renovação”.

Arnaldo Rizzardo comenta esse artigo assinalando o seguinte:

“Torna-se obrigatória a renovação do contrato após o vencimento. Não assiste à operadora a simples recusa em continuar o contrato. Aliás, uma vez celebrado um primeiro contrato, nem mais caberia a renovação, ou nem precisaria colocar nele um prazo de duração. Unicamente ao associado ou segurado reconhece-se o direito de continuar na contratação. Pare ele apenas teria sentido a colocação de um prazo de duração como faculdade para não mais renová-lo se lhe faltar interesse.
Um entendimento diferente pode levar as seguradoras a fixar prazos inferiores ao próprio período de carência, com a rescisão mesmo antes de o consumidor iniciar a usufruir todos os benefícios.
O art. 13 da Lei n. 9.656 revela-se claro a respeito: Os contratos de plano de assistência à saúde têm renovação automática a partir do vencimento do prazo inicial de vigência, não cabendo a cobrança de taxas ou qualquer outro valor no ato da renovação” (12).

Assim, se o CDC já continha linhas de manutenção do vínculo e proibição de cláusulas rescisórias em contratos de saúde coletivos, hoje há uma complementaridade entre o Código (lei geral) e a lei especial (Lei 9.656/98).

Há quem sustente que a regra da renovação automática, tal qual prevista no art. 13, somente tem aplicação em relação aos planos de saúde de contratação individual, em razão da norma do parágrafo único, inciso II, do mesmo artigo, que faz referência expressa somente a essa categoria. Existe inclusive jurisprudência apoiando essa interpretação (13). Todavia, a despeito desses posicionamentos, resta evidente que a regra da indeterminação de prazo aplica-se indistintamente aos contratos coletivos e aos contratos individuais de assistência à saúde.

A melhor técnica legislativa ensina que o parágrafo é sempre referente à regra da cabeça do artigo, podendo exprimir tanto um complemento, uma explicação ou uma exceção. No caso do art. 13 a regra da indeterminação do prazo está contida no seu caput, que não faz distinção entre contratos negociados coletiva ou individualmente, nos seguintes termos:

“Art. 13. Os contratos de produtos que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei têm renovação automática a partir do vencimento do prazo inicial de vigência, não cabendo a cobrança de taxas ou de qualquer outro valor no ato da renovação” (14).

Observe-se que a regra transcrita, ao se referir aos “contratos” (no plural) submetidos à renovação automática, não separa as categorias de plano, o que só ocorre a partir do parágrafo primeiro e seus incisos, estes, sim, de aplicação restrita aos planos contratados individualmente. A unificação de tratamento jurídico quanto a ambas as modalidades só cede a partir daí, onde foram estabelecidas regras específicas, dentre elas a do prazo mínimo de vigência (inicial) de um ano (para o plano individual).

Por força dessa norma contida no caput do art. 13 da Lei 9.656/98, a operadora não pode simplesmente desistir do contrato, vez que, exaurido o prazo inicial de vigência estabelecido contratualmente, o plano ou seguro coletivo de assistência à saúde se renova automaticamente, sem limite de prazo.


4. A regra dos arts. 30 e 31 da Lei 9.656/98

A importância da manutenção da assistência à saúde aos consumidores de planos coletivos foi uma preocupação do legislador, ao estabelecer o marco regulatório da prestação dos serviços de saúde suplementar. Na Lei n. 9.656/98, de fato, encontramos duas situações específicas em que o legislador revelou sua preocupação em não deixar desamparado o contribuinte de plano coletivo. A primeira é a perda do vínculo trabalhista (rescisão ou exoneração do contrato de trabalho sem justa causa), disciplinada no art. 30, e, a segunda, refere-se à hipótese de aposentação do empregado. Em ambas as situações, é garantida ao contribuinte o direito de manter a condição de beneficiário, nas mesmas condições anteriores à dispensa ou aposentadoria (desde que preenchidas algumas condições).

Essas regras, como se disse, revelam a preocupação do legislador em não deixar desamparado o consumidor de plano de saúde na modalidade de contratação coletiva. O legislador teve em mente a intenção de prolongar a obrigação da operadora, quanto à continuidade na prestação dos serviços ao empregado demitido ou aposentado, de forma a não frustrar suas expectativas de segurança quanto à eliminação de riscos à sua saúde, que tinha ao ingressar no contrato coletivo. O legislador, é sabido, não incluiu regra protetiva semelhante para os casos da própria extinção do contrato coletivo, obrigando a operadora a oferecer planos individuais aos beneficiários originários (do plano coletivo). Certamente não divisou, na época da edição da lei, que a extinção do contrato coletivo por desligamento da empresa empregadora (estipulante) poderia vir a ser situação com certa freqüência. Mas, ainda que não tenha feito referência expressa à hipótese de extinção do contrato coletivo, por retirada ou inadimplência da empresa estipulante, ao Juiz cabe aplicar o mesmo princípio protetivo presente nos artigos 30 e 31 da Lei 9.656/98, utilizando-se de interpretação analógica. O Juiz não pode se substituir ao legislador, mas quando este não regula situação específica, aquele pode formular a regra de direito aplicável ao caso concreto, recorrendo à analogia, como lhe permite o art. 126 do CPC.

A necessidade de se proteger o consumidor de plano coletivo extinto reclama a aplicação, por analogia, dos dispositivos legais que lhe conferem continuidade na fruição dos serviços de saúde a cargo da operadora. Para evitar que certos eventos, a exemplo do desligamento da empresa estipulante, coloquem em risco a continuidade e qualidade do atendimento à saúde dos usuários, o jurista tem que fazer opção pela construção da solução jurídica mais justa.


5. A Resolução n. 19 do CONSU

Ainda que o legislador brasileiro, ao regular os planos e seguros privados de assistência à saúde, não tenha tratado da situação específica da extinção do plano por desligamento ou inadimplência da empresa ou associação estipulante, os princípios e regras de proteção ao consumidor impõem a continuidade da prestação dos serviços a cargo da operadora, por meio de oferecimento de apólices individuais aos beneficiários titulares do plano extinto.

O Conselho de Saúde Suplementar – CONSU, órgão instituído pela Lei n.º 9.656/98, para desempenhar as atribuições normativas da prestação do serviços de saúde suplementar – antes da criação da ANS (15)-, levou em consideração a importância da manutenção da assistência à saúde aos consumidores de planos coletivos e baixou resolução estabelecendo como obrigação das operadoras a absorção do universo de consumidores oriundos de planos coletivos liquidados ou encerrados. De fato, a Resolução n. 19 do CONSU (16) estabelece no seu art. 1º que:

“As operadoras de planos ou seguros de assistência à saúde, que administram ou operam planos coletivos empresariais ou por adesão para empresas que concedem esse benefício a seus empregados, ou ex-empregados, deverão disponibilizar plano ou seguro de assistência à saúde na modalidade individual ou familiar ao universo de beneficiários, no caso de cancelamento desse benefício, sem necessidade de cumprimento de novos prazos de carência”.

O parágrafo segundo desse mesmo artigo estende a obrigação da operadora, quanto à continuidade da prestação dos serviços de assistência à saúde, a todo o grupo familiar vinculado ao beneficiário titular.

Como se vê, se por qualquer motivo o plano coletivo vem a ser encerrado, aos beneficiários deve ser assegurada a opção pela continuidade da prestação dos serviços em planos individuais, devendo o empregador (estipulante) informar aos seus empregados no prazo oportuno para que possam exercer essa opção (art. 2o. e parágrafo único).

A Resolução n. 19 do Consu contém apenas um único dispositivo que deve ser afastado, por ser contrário às disposições e princípios da Lei 9.656/98 e do CDC. Trata-se do seu art. 3o., que dispensa da obrigação da continuidade da prestação dos serviços, em caso de cancelamento do contrato coletivo, as operadoras que não mantenham plano na modalidade individual ou familiar. Tal artigo é incompatível com o princípio da conservação do contrato de consumo de longa duração e representa uma válvula de escape para operadoras, para fugirem às suas obrigações de continuidade da prestação do serviço de assistência à saúde. Entendemos inclusive que a ANS deve negar autorização para funcionamento de operadora que pretenda atuar no mercado somente oferecendo plano de contratação coletiva, justamente para evitar prejuízo para consumidores em caso de cancelamento do plano.

7. O dever da operadora de oferecer planos individuais na hipótese de cancelamento do contrato coletivo – a posição da jurisprudência

A jurisprudência mais abalizada já vem reconhecendo que a operadora, em todo e qualquer caso em que ocorra o encerramento ou cancelamento do plano coletivo, por razões outras que não a falta de pagamento ou desistência por parte dos beneficiários, está obrigada a dar continuidade à prestação dos serviços de assistência à saúde, através de novos planos individuais. Expressiva dessa posição é o aresto abaixo ementado:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE – NOVA CONTRATAÇÃO – MERA CONTINUAÇÃO DO CONTRATO ORIGINALMENTE PACTUADO – APROVEITAMENTO DE CARÊNCIA DO PLANO ANTERIOR.

Quando há encerramento do plano de saúde coletivo e esse vem a ser cancelado, tem o segurado o direito de optar pela continuação de cobertura de plano individual. As empresas que atuam no setor de planos de seguro e assistência à saúde suplementar devem garantir ao consumidor, no caso de cancelamento de seguro de saúde empresarial, um plano de saúde individual ou familiar e aproveitar o prazo de carência já contado durante o plano de saúde empresarial. Recurso improvido. Unânime (TJDF, Ap. Cív. 2001.01.1.103462-7, 6a. Turma Cível, rel. Des. Otavio Augusto, j. 08.11.04).

6. Conclusão:

A operadora não se libera do vínculo com os beneficiários do plano, vínculo esse criado com a contratação original, mas que se perpetua em relação a cada um dos consumidores. O plano coletivo, embora negociado e contratado exclusivamente com a empresa estipulante, gera um vínculo para com outras pessoas, os segurados, que têm direitos de exigir a prestação dos serviços contratados em seu favor.

Quando a empresa que assume a “co-participação” no pagamento do plano torna-se inadimplente, deixando de pagar a parcela (ou parcelas) do prêmio a que está obrigada, a operadora assume a responsabilidade de disponibilizar planos de saúde individuais para os segurados, com o mesmo padrão de atendimento e cobertura, desde que estes complementem o preço, assumindo integralmente os custos com o pagamento da mensalidade. Se ocorre, por outro lado, a hipótese de a empresa empregadora contratante, ao final do prazo inicial de vigência do contrato coletivo de saúde, não mais desejar permanecer com a obrigação da “co-participação” – que é a parte efetivamente paga por ela como contraprestação aos serviços de saúde prestados aos seus empregados -, pode livrar-se do vínculo a partir de então (do término do prazo inicial de vigência), mas a operadora permanece vinculada, com essa mesma obrigação – de oferecer planos individuais aos beneficiários do plano extinto-, com idêntica amplitude de cobertura, assumindo os empregados o percentual antes suportado pela empresa (estipulante) empregadora.

O direito de permanência do vínculo com a operadora, em qualquer caso, se estende aos dependentes dos titulares do plano de saúde coletivo cancelado.

A transferência do contrato coletivo para contratos individuais deve manter integralmente as condições contratuais, sem restrição de direitos ou prejuízos para os beneficiários.

Os novos contratos individuais não podem impor carências ou cobertura parcial temporária aos beneficiários, exceto com relação às carências ainda não cumpridas e coberturas não previstas no contrato coletivo anterior.

Os novos contratos individuais devem incluir cláusula que garanta a manutenção do valor da contraprestação pecuniária que vinha sendo praticada pela operadora anteriormente, por ocasião da vigência do plano coletivo, proporcionalmente a cada beneficiário.

A partir da transferência, os contratos devem obedecer à sistemática prevista para os planos de contratação individual ou familiar, no que se refere ao percentual de reajuste. O reajuste da prestação mensal do plano/seguro saúde, sob a nova apólice, só poderá ocorrer nos mesmos percentuais estabelecidos pela ANS para planos individuais, aplicáveis na data base prevista como de reajuste anual do plano.

(1) Para efeito deste artigo, não fazemos distinção prática ou jurídica entre plano ou seguro saúde, pela razão de que a MP 1.976, que alterou dispositivos da Lei 9.656/98, passou a definir os planos e os seguros-saúde como uma categoria contratual única, alterando o art. 1º da referida lei para denominá-los simplesmente de “plano privado de assistência à saúde”, definindo-o como a “prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou serviços de saúde, livremente escolhidos, integrantes ou não de rede credenciada, contratada ou referenciada, visando a assistência médica, hospitalar e odontológica, a ser paga integral ou parcialmente às expensas da operadora contratada, mediante reembolso e pagamento direto ao prestador”, “por conta e ordem do consumidor” (esta parte final foi resultado da MPV n. 2.177-44, de 24.8.2001) (art. 1º, I).

(2) Faça-se referência a julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte que entendeu pela validade da rescisão de seguro-saúde coletivo por iniciativa da seguradora, em razão da falta de interesse na manutenção da apólice (Agravo de Instrumento n. 2002.002900-4-Natal, 1a. Câm. Cível, rel. Des. Armando da Costa Ferreira, ac. un., DOE/RN de 12.03.03). Ainda pode ser citado acórdão do Tribunal de Alçada de Minas Gerais, no sentido de que “em se tratando de contrato coletivo, perfeitamente possível a denúncia por parte da seguradora, visto que o art. 13, parágrafo único, inciso II, da Lei 9.656/98 protege somente o contrato individual” (Ap. Cível n. 409.675-1-Belo Horizonte, 6a. Câm. Cível, rel. Juiz Valdez Leite Machado, ac. un., j. em 27.11.03).

(3) Conforme art. 1º da Resolução CONSU n. 14, publicada no DO n. 211, de 04.11.98

(4) Art. 2º da Res. Consu 14.

(5) Art. 2º, par. únic. da Res. Consu 14.

(6) Art. 3º da Res. Consu 14.

(7) Art. 4º da Res. Consu 14.

(8) A aplicação indistinta do CDC aos planos e seguros saúde de contratação individual ou coletiva está em consonância com as conclusões de artigo que publicamos anteriormente, sob o título “A Natureza Jurídica do Plano de Saúde Coletivo”, no site Jus Navigandi (www.jus.com.br), em jul. 2004.

(9) Sobre essa característica marcante dos planos e seguro saúde, escrevi: “Essa espécie de contrato caracteriza-se por criar uma “catividade” ou dependência dos clientes desses serviços (consumidores). São contratos que envolvem não uma obrigação de dar (para o fornecedor), mas de fazer; normalmente são serviços privados ou mesmo públicos, autorizados pelo Estado ou privatizados, mas sempre prestados de forma contínua, cuja execução se protrai no tempo. Não são simples contratos de trato sucessivo, pois além da continuidade na prestação assume destaque o dado da “catividade”. Baseiam-se mais numa relação de confiança, surgida do convívio reiterado, gerando expectativas (para o consumidor) da manutenção do equilíbrio econômico e da qualidade dos serviços. O consumidor mantém uma relação de convivência e dependência com o fornecedor por longo tempo (às vezes por anos a fio), movido pela busca de segurança e estabilidade, pois, mesmo diante da possibilidade de mudanças externas na sociedade, tem a expectativa de continuar a receber o objeto contratualmente previsto. Essa finalidade perseguida pelo consumidor faz com que ele fique reduzido a uma posição de cliente-“cativo” do fornecedor. Após anos de convivência, pagando regularmente sua mensalidade, e cumprindo outros requisitos contratuais, não mais interessa a ele desvencilhar-se do contrato, mas sim de que suas expectativas quanto à qualidade do serviço oferecido, bem como da relação dos custos, sejam mantidas. Também contribui para seu interesse na continuação da relação contratual, a circunstância de que esses serviços (de longa duração) geralmente são oferecidos por um só fornecedor ou por um grupo reduzido de fornecedores, únicos que possuem o poder econômico, o know how ou a autorização estatal que lhes permite colocá-lo (o serviço) no mercado. Nessa condição, a única opção conveniente para o consumidor passa a ser a manutenção da relação contratual” (ob. cit.).

(10) Planos de Saúde e os Direitos do Consumidor, Belo Horizonte: Del Rey, 2002. Citado por Cláudia Lima Marques.

(11) Contratos no Código de Defesa do Consumidor – O novo regime das relações contratuais. 5a. Edição. Editora Revista dos Tribunais.

(12) Plano de Assistência e Seguros de Saúde. Ed. Livraria do Advogado: Porto Alegre, p. 60/62).

(13) Representadas nas seguintes ementas: “PLANO DE SAÚDE – ART. 13, PARÁGRAFO ÚNICO, INCISO II, LEI N. 9.656/98 – CONTRATO COLETIVO INAPLICABILIDADE – DENUNCIA SEGURADORA – POSSIBILIDADE. Em se tratando de contrato coletivo, perfeitamente possível a denúncia por parte da seguradora, visto que, o art. 13, parágrafo único, inciso II, da Lei 9.656/98 protege somente o contrato individual” (Tribunal de Alçada de MG, 6a. Câm. Cív., Ap. Cív. n. 409.675-1, rel. Juiz Valdez Leite Machado, ac. un., j. 27.11.03) e “SEGURO-SAÚDE – Medida cautelar – Concessão de liminar para determinar a continuidade do contrato de seguro saúde coletivo – Cláusula resolutória expressa – Impedimento legal à rescisão unilateral que somente se aplica à contratação individual ou familiar – Parágrafo único do artigo 13 da Lei 9.656/98 – Ausência do fumus boni júris reconhecida – Recurso provido para revogar a decisão que concedeu a liminar” (Agravo de Instrumento n. 255.12-4-SP – 1a. Câmara de Direito Privado do TJSP, rel. Elliot Akel, m.v., 08.10.02).

(14) Redação dada pela MPV n. 2.177-44, de 24.8.2001.

(15)A Lei 9.961, de 28 de janeiro de 2000, criou a ANS, estabelecendo que essa autarquia especial passasse a desempenhar as funções de regulação, normatização, controle e fiscalização das atividades relacionadas à assistência suplementar à saúde (artigos 1o. e 4o.)

(16) Publicada no DO n. 57, de 25.03.99.

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