TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SAO PAULO 12.04.2022. Impedir a execução do sistema de captação e tratamento de dados biométricos dos usuários de metrô para sua utilização em sistemas de reconhecimento facial
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
DESPACHO
Agravo de Instrumento Processo nº 2079077-58.2022.8.26.0000
Relator(a): MARIA LAURA TAVARES
Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Público
VOTO nº 32.045
AGRAVO DE INSTRUMENTO nº 2079077-58.2022.8.26.0000
COMARCA: SÃO PAULO
AGRAVANTE: COMPANHIA DO METROPOLITANO DE SÃO PAULO – METRÔ
AGRAVADA: DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULOINTERESSADOS: IDEC – INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E OUTROS
Juíza de 1ª Instância: Cynthia Thomé
Vistos.
Trata-se de Agravo de Instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto pela COMPANHIA DO METROPOLITANO DE SÃOPAULO – METRÔ contra a decisão de fls. 1585/1587 dos autos principais que, em Ação Civil Pública ajuizada pela DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO E OUTROS, deferiu parcialmente o pedido de tutela de urgencia para impedir a execução do sistema de captação e tratamento de dados biométricos dos usuários de metrô para sua utilização em sistemas de reconhecimento facial, admitindo-se apenas a instalação, ao argumento de que “nos documentos do edital, no contrato ou nos questionamentos feitos no âmbito do referido processo licitatório, não foi disponibilizada qualquer informação sobre os critérios, condições, propósitos da implementação do sistema de reconhecimento facial pela Ré Companhia do Metropolitano de São Paulo”; que “o Metrô, até o momento, não apresentou informações precisas sobre o armazenamento das informações e utilização do sistema de reconhecimento pessoal”; que “a utilização do sistema para atender órgãos públicos, por ora, não passa de mera conjectura, fato que, por si só, indica a insegurança do sistema que se pretende implantar”; que “Há uma série de questões técnicas que necessitam de dilação probatória para serem dirimidas. Todavia, presente a potencialidade de se atingir direitos fundamentais dos cidadãos com a implantação do sistema”; e que “há de ser considerado que o contrato administrativo está em vigor, e que houve investimento de grande monta por parte do Metrô. Além disso, não há dúvida que suspender a execução do contrato no tocante a instalação do sistema poderá gerar prejuízos irreversíveis”.
Alega a agravante, em síntese, que os critérios, condições e propósitos da implementação do sistema de reconhecimento facial estavam claros desde a publicação do edital de contratação; que a contratação não tem por objetivo a implementação de um sistema de reconhecimento facial dos passageiros do Metrô, mas a modernização do sistema de vigilancia já existente, com o aprimoramento da qualidade do serviço prestado e a capacidade operacional do Metrô, em especial no que se refere à segurança dos usuários e do sistema de transporte público; que o novo sistema de câmeras permitirá a identificação comportamental de pessoas e objetos, semnecessidade de identificação pessoal dos passageiros envolvidos; que o objetivo da contratação é a utilização da nova estrutura de equipamentos para estabelecimento de estratégias operacionais, em função do aumento ou redução de demanda (acréscimo de trens, redução de velocidade de escadas rolantes, fechamento de bloqueios, etc.); que a situações envolvendo tentativas de suicídio, invasão da via, busca de pessoas desaparecidas, análise de objetos “esquecidos”, que já eram monitoradas pela ação humana, ganharão mais eficiência com a ajuda de computadores; que a identificação facial de pessoas é apenas uma pequena funcionalidade do software que compõe o sistema e somente será realizada em casos específicos (busca de pessoas desaparecidas, identificação de usuário que praticou crime nas dependências do Metrô, busca após determinação judicial, etc.); e que o sistema do Metrô não contará com banco de dados de imagens de pessoas naturais específicas ou qualquer outro tipo de dado pessoal ou sensível, mas apenas imagens captadas nos ambientes monitorados.
Afirma que já era de conhecimento dos agravados que as imagens capturadas pelas câmeras de segurança serão armazenadas em rede interna pelo período de trinta dias, sendo, após, sobrepostas por outras, não havendo que se falar em armazenamento em nuvem, rede mundial de computadores ou qualquer plataforma pública; que a utilização de banco de dados de outras entidades é mera conjectura, demonstrando a desnecessidade de interrupção da implementação do sistema; que a contratação para modernização do sistema de vigilância do Metrô atende à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e às normas legais e constitucionais aplicáveis; que o consentimento não é a única forma permitida pela LGPD para o tratamento dos dados sensíveis; que há documentação interna identificando as finalidades para as quais o SME-3 realizará o tratamento de dados pessoais, com atribuição da base legal legítima e específica para cada finalidade (Relatório de Impacto à Proteção de Dados Pessoais); que o tratamento de dados pessoais realizado pelo SME-3 nas estações do Metrô estará ligado à Segurança Pública e/ou atividades de investigação e repressão a infrações penais no âmbito da companhia (art. 4º, inciso III, da LGPD); e que o Metrô é autoridade competente responsável pelas atividades de segurança pública exercidas em suas dependências (Lei nº 6.149/1974), sendo legítimo o tratamento de dados pessoais para tais fins.
Sustenta que os agravados ingressaram coma presente demanda após a publicação do edital de contratação, realização do Pregão, formalização da contratação e início da execução do contrato pela licitante vencedora, demonstrando não haver risco na continuidade integral da execução contratual; que entre a Produção Antecipada de Provas e o ajuizamento da presente ação transcorreram praticamente dois anos, situação incompatível com a alegação de urgência no provimento liminar, visto que o sistema ainda não se encontra operacional; que a presunção de legitimidade dos atos administrativos não foi abalada pelos fundamentos expostos pelos agravados; e que existe perigo de dano reverso, pois a execução dos serviços contratados é de extrema importância para a melhoria do desempenho das atividades de transporte público essenciais e a suspensão da execução do contrato poderá gerar prejuízos irreversíveis à agravante.
Com tais argumentos, pede a concessão de efeito suspensivo e o provimento do recurso, a fim de que seja cassada a decisão que concedeu a medida liminar em primeira instância.
É o relatório.
Indefiro, por ora, o pedido de efeito suspensivo, pois ausentes os requisitos legais.
Por uma análise perfunctória e sem adentrar ao mérito, verifica-se que não há, no momento, como relatado pelo próprio agravante, prejuízo com a concessão da tutela de urgência, já que o sistema ainda não está em funcionamento e a decisão judicial foi apenas no sentido de “impedir a execução do sistema de captação e tratamento de dados biométricos dos usuários de metrô para sua utilização em sistemas de reconhecimento facial”, sendo razoável aguardar a resposta da parte contrária para analisar a necessidade da medida almejada.
Dessa forma, não há justificativa plausível para atribuir efeito suspensivo ao recurso, no presente momento, podendo-se aguardar a manifestação da parte contrária.
Intimem-se os agravados, nos termos do inciso II do art. 1.019 do Código de Processo Civil de 2015, para que respondam em 15 (quinze) dias.
Após, remetam-se os autos à douta Procuradoria Geral de Justiça, para manifestação.
Comunique-se o D. Juízo «a quo» quanto ao resultado da presente decisão, com cópia desta.
Faculto aos interessados manifestação, em cinco dias, de eventual oposição ao julgamento virtual, nos termos do art. 1º da Resolução 549/2011, do Órgão Especial deste Tribunal, publicada no DJe de 25 de agosto de 2011 e em vigor desde 26 de setembro de 2011.
Intimem-se e cumpra-se.
São Paulo, 12 de abril de 2022. MARIA LAURA TAVARES
Relatora